O que fazer quando eles se zangam? Deixá-los resolver as diferenças ou dar uma mãozinha? Descubra até onde devem ir os pais na sua proteção.

O texto abaixo traz esclarecimentos relevantes sobre a administração de conflitos entre crianças e vale a pena ser lido. Boa leitura!

A melhor amiga de Sara chama-se Leonor, mas dela, Sara já, não consegue dizer uma única coisa boa. “É tão teimosa, quer sempre ser ela a mandar. Não me empresta as bonecas e roubou-me o verniz das unhas azul clarinho”, queixa-se, na sua raiva dos quase oito anos. A mãe sorri com o desabafo e explica: “Num dia não se largam, no outro quase se matam.”
A primeira vez que as viu zangadas, Susana Ricardo esteve quase a sucumbir à tentação de tentar restabelecer o equilíbrio. “A Sara veio da escola muito triste porque a Leonor se tinha irritado com ela e não a chamou para um jogo qualquer. Achava que a outra já não gostava dela e não a queria mais como amiga”, recorda, dizendo que foi o marido quem a impediu de meter a colher. “Ainda bem, pois no dia seguinte lá se entenderam sozinhas e a minha filha chegou toda contente a dizer que tinha a melhor amiga do mundo”, conta. “Agora encaro estas birras com calma, mas, nas primeiras vezes, nem dormi bem a pensar como podia acabar com o sofrimento da Sara.”

Qualquer especialista em crianças diria a Susana Ricardo que ela ultrapassou, com distinção, uma das provas mais traiçoeiras que são colocadas aos pais: lidar com as amizades dos filhos. Ou melhor, com os seus desaires no complexo jogo da amizade. “Os pais não devem interferir na intimidade e privacidade dos filhos”, sentencia o pediatra Mário Cordeiro. E explica: “Se o filho se zanga com um amigo, os progenitores poderão ajudá-lo a tentar compreender o que se passou, se os fatos justificam ou não um corte, explicar que o tempo faz rever as decisões, que a reflexão é importante, e ajudar a gerir as perdas, a dor e o sofrimento. Mas nunca dizer o que se deve fazer nem andar pela calada a tentar arranjar as coisas.”
Mas será assim tão negativo querer dar uma ajuda? Acredite que sim. Segundo os especialistas, essa interferência nada tem de positivo. Aliás, para Mário Cordeiro, poderá até prejudicar a criança em situações semelhantes no futuro. “Cada um tem de decidir pela sua cabeça. Em todas as idades, sem exceção, os erros de avaliação, as desilusões e os enganos podem acontecer. E cada um tem de decidir para não poder responsabilizar mais ninguém pelas escolhas que devem ser do próprio”, argumenta. “Começar a influenciar demais as escolhas dos filhos em idades precoces levará a que essa autonomia de escolha seja prejudicada, e que os pais, em idades posteriores, se metam onde não são chamados, fazendo das crianças e adolescentes pessoas inseguras e dependentes.”



As palavras do pediatra podem ser duras na sinceridade, mas, para a psicóloga infantil Teresa Paula Marques, fazem todo o sentido. Também ela aconselha os progenitores a ficarem no lugar de espectadores das zangas dos filhos. “Os pais devem colocar-se à parte dos conflitos e não interferir neles”, sublinha a autora de Como Lidar Hoje com os Filhos e Compreender Melhor o seu Filho, identificando uma das situações onde o erro é mais facilmente cometido. “Aqueles pais que estão constantemente a ir à escola falar com os colegas dos filhos com quem existem diferenças, estão a acentuar o problema. Assim nem os miúdos encontram estratégias para resolver as questões nem os outros os aceitam no grupo”, alerta. E deixa um recado aos que desconfiam da sua ponderação: “Os conflitos entre crianças são facilmente ultrapassados. Aliás, ao contrário do que se passa no mundo dos adultos, muitas vezes os miúdos começam por se desentender e acabam por se tornar grandes amigos.”
O conselho para ter calma pode ser difícil de aceitar pelos progenitores, sempre prontos a lançar sobre os filhos o véu grosso da proteção, mas, se atentarmos à sua essência, encontraremos a justificação.

 Fazer e manter amigos é, de fato, um jogo complicado, mas a forma como as crianças aprendem a lidar com ele terá um efeito poderoso nas suas vidas. É graças à amizade que se aprende o que é o conflito, a confiança e a intimidade. Negociar com os amigos ajuda a aumentar o desenvolvimento cognitivo, pois são eles quem fornecem, pela constante comparação, as noções de confiança em si, popularidade, esperteza, simpatia e até velocidade nas corridas. Como afirma Teresa Paula Marques, “a amizade permite que a criança saia da fase do egocentrismo e passe a constituir um ser social”.
Para que essa passagem seja autêntica, deve ser concretizada com autonomia. Ou seja, os pais devem deixar aos filhos a descoberta dos seus amigos. “Claro que os pais podem ajudar, orientar e informar dos critérios que devem presidir às escolhas, chamando a atenção para as armadilhas, as falsidades, as mentiras, os investimentos não recompensados, mas nunca impor uma pessoa com a qual não se estabeleceram laços”, adverte Mário Cordeiro, adiantando que “o fato de alguém ser ‘filho de amigos’ não quer dizer que venha a ser amigo do nosso filho”.
É em liberdade que as crianças devem descobrir os seus pares mais queridos. “Para o seu desenvolvimento, é necessário experimentar diversos tipos de amizade, baseados em setores diferentes da vida”, diz Mário Cordeiro, adiantando, porém, que não é preciso os mais pequenos terem muitos amigos. “Apenas aqueles que a criança quer e com os quais desenvolve relações interpessoais mais próximas e espontâneas”, informando os pais que é natural um grande amigo de uma época já não o ser noutra. “Numa fase de experimentação do mundo, as relações interpessoais são também objeto dessa mesma experimentação”, justifica.
O certo é que quase todas as crianças afirmam ter um melhor amigo, um eleito que ocupa um lugar privilegiado no seu coração. “Isso é extremamente importante em termos de desenvolvimento porque constitui um porto de abrigo, alguém que se mostra disponível para ajudar e compreender em qualquer situação”, esclarece Teresa Paula Marques. E salienta o papel deste elemento em situações complicadas: “Algumas crianças isoladas socialmente, ou menos aceites pelos colegas, encontram outra nas mesmas condições e estabelecem laços muito fortes. São eles que lhes permitirão ultrapassar eventuais casos de rejeição, dando-lhes equilíbrio a nível emocional.”
O que não quer dizer que não se zanguem, de vez em quando, com o melhor amigo. E por motivos que, normalmente, fazem os adultos sorrir.
Ensine-os a ser sociáveis

1. Perguntas como “Divertiste-te hoje no recreio?” e “As outras crianças, os teus amiguinhos, também se divertiram com as brincadeiras?” ajudam-nos a ficar focados nos
objetivos certos. O importante é o prazer de estar com os outros, não é ganhar os jogos todos ou ser o mais forte do grupo

2. Ensine-lhes a maior variedade possível de jogos de grupo. São uma maneira infalível de fazer novos amigos, além de os habituar a respeitar regras, a não necessitar de estar sempre no centro das atenções e a perder sem fazer birras

3. Quando o seu filho se zangar a sério com um amigo, tente organizar uma espécie de teatrinho para clarear o acontecimento. Faça do amigo e peça ao seu filho para lhe mostrar as razões da sua irritação. Ou, então, o contrário. Deixe-o ser o amigo e, assumindo o seu papel, mostre-lhe diferentes formas de reagir. Está a auxiliá-lo na reconciliação, sem interferir diretamente
O psicólogo norte-americano Steven Archer, autor de vários estudos sobre a amizade entre os mais novos, deixa três conselhos aos pais para auxiliarem os filhos no complexo jogo de fazer, e manter, amigos.

Texto de  Cristina Azedo

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